Colisão frontal entre os dois ônibus deixou oito mortos e 46 feridos na SP-563 (Foto: Mateus Tarifa/TV Fronteira).

Tacógrafo de ônibus de estudantes envolvido em acidente estava vencido

Diretor do Inmetro afirmou ao G1 que veículo não poderia rodar.
Colisão frontal matou oito pessoas, na SP-563, em Mirante do Paranapanema.

MIRANTE DO PARANAPANEMA/SP – Um levantamento feito pelo G1 junto ao sistema do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) aponta que o ônibus que transportava estudantes e se envolveu no acidente que matou oito pessoas, na semana passada, em Mirante do Paranapanema (SP), estava com o certificado do cronotacógrafo vencido desde o dia 8 de abril de 2015. Os dados do Inmetro indicam que a última emissão do documento para o veículo Mercedes-Benz, fabricado em 1997 e com placas BTT-4579, de Teodoro Sampaio (SP), havia sido feita no dia 10 de maio de 2013.

Colisão frontal entre os dois ônibus deixou oito mortos e 46 feridos na SP-563 (Foto: Mateus Tarifa/TV Fronteira).

Colisão frontal entre os dois ônibus deixou oito mortos e 46 feridos na SP-563 (Foto: Mateus Tarifa/TV Fronteira).

Já em relação ao outro ônibus envolvido na colisão, o G1 apurou junto ao sistema do Inmetro que o certificado do cronotacógrafo está “ativo” e com validade em vigor até o dia 24 de novembro de 2018. O documento fora emitido no dia 6 de dezembro de 2016 para o veículo também da marca Mercedes-Benz, fabricado em 1993 e com placas BYA-6466, de Iturama (MG).

A batida frontal entre os dois veículos aconteceu no km 12,8 da Rodovia General Euclides de Oliveira Figueiredo (SP-563), a Rodovia da Integração, e, além dos oito mortos, ainda deixou 46 pessoas feridas.

Segundo o diretor de Metrologia Legal do Inmetro, Raimundo Rezende, o cronotacógrafo deve ser regularizado com frequência, pois se trata de um instrumento extremamente sensível e de fácil alcance das pessoas, então, pode acabar sofrendo alterações que o deixe desregulado.

“Essa verificação é feita anualmente em postos e empresas privadas credenciados e autorizados pelo Inmetro, dispersos pelo país afora. Neles ainda são feitas a lacração e a selagem desses cronotacógrafos, que certificam esta verificação de que o serviço foi realizado corretamente. A gente estabelece essa frequência e faz a verificação exatamente para coibir algum mal intencionado de fazer uma alteração no aparelho e tudo mais, pois se trata de um instrumento altamente sensível, já que tem associado a ele um disco diagrama de papel, que é colocado e retirado pelo próprio usuário do veículo e pode acabar sendo danificado”, contou ao G1.

“Este certificado ‘ativo’ emitido pelo Inmetro é o testemunho de que aquele instrumento está registrando a jornada de trabalho do motorista com o que varia de tempo de descanso, conforme determina a legislação do Ministério do Trabalho. Depois, o registro instantâneo da velocidade em que ele está. Independentemente de acidente ou não, se um policial para ele em um determinado momento, ele tem como confrontar se a velocidade que estava desenvolvendo naquele momento é exatamente aquela que está sendo registrada no instrumento. Então, para estes fins e outras coisas, como, por exemplo, se o patrão dele quiser supervisionar a jornada de trabalho dele, a distância percorrida, o tempo que ele parou para almoçar, para abastecer, para dormir etc., isso tudo fica registrado no disco diagrama que está ali dentro do cronotacógrafo”, completou.

O diretor explicou ao G1 que, caso não esteja certificado ou com sua situação considerada “vencida” junto ao Inmetro, o veículo não pode rodar.

“O que pode acarretar na proibição de circulação deste ônibus é exatamente estar fora desta validade, fora dessa autorização. Agora, quando ele vai em um posto e não apresenta a harmonia dentro do que está sendo verificado e naturalmente o requisito, naturalmente ele é impedido, ele não é renovado, não é certificado e, portanto, se encontra em condição irregular. Resumindo, se ele se encontra ‘vencido’ no Inmetro, ele não pode circular com passageiros. Ele tem de estar autorizado e certificado”, afirmou.

Fiscalização

De acordo com o Inmetro, um dos postos autorizados a fazer a fiscalização de funcionamento dos cronotacógrafos é a Polícia Rodoviária, que diariamente aborda veículos nas rodovias em todo o país. A reportagem do G1 também ouviu um membro da corporação a respeito dos procedimentos de verificação dos aparelhos feitos pelos policiais.

“A primeira coisa que a gente vai verificar é saber se este equipamento encontra-se em funcionamento, registrando normalmente a velocidade, se tem todos os registros necessários, se está com disco, fita diagrama, se está dentro do prazo de validade, se está lacrado e se tem a inspeção do Inmetro válida, que pode variar em até dois anos, dependendo do caso. Então, essa nossa fiscalização vai abranger todos estes quesitos, se a fita ou o disco está dentro do prazo de validade, se as informações que estão sendo registradas estão corretas e, tendo alguma irregularidade, existem diversas autuações de trânsito que podem ser aplicadas”, explicou o cabo Marcos Roberto Pazini, que trabalha na Polícia Militar Rodoviária em Presidente Prudente.

“Além disso, a gente recolhe o documento do veículo, dá um prazo para a pessoa regularizar a situação do veículo, libera uma autorização para ele circular com o veículo por um prazo de até 30 dias, dependendo da situação, e, estando tudo resolvido, o motorista ou dono deste veículo volta aqui, a gente verifica novamente a situação desse equipamento e, estando tudo em dia e funcionando corretamente, a gente devolve a documentação do veículo para ele”, salientou ao G1.

Também de acordo com Pazini, se o ônibus que transportava os estudantes tivesse sido parado em uma blitz policial, o procedimento correto seria o de contatar a empresa dona do veículo e solicitar um outro carro devidamente regularizado para dar continuidade à viagem.

“Nestes casos de ônibus com transportes de passageiros, se constatado que o cronotacógrafo está irregular, a gente solicita junto à empresa deste veículo que encaminhe um outro carro devidamente regularizado para prosseguir viagem com estes passageiros, mas às vezes acontece de a empresa só ter um ônibus, então, sendo assim, é feito como os outros veículos. Nós damos uma autorização para ele circular até no máximo 30 dias para estar regularizando o veículo e, então, ele pode seguir com a viagem normalmente, mas terá de voltar aqui com o veículo regularizado e pegar a documentação do carro, já que, em um primeiro momento, esta documentação é recolhida por nós”, contou ao G1.

Ainda de acordo com o policial, caso o motorista não se apresente dentro do prazo para requerer o documento do veículo junto ao policiamento rodoviário com o veículo devidamente regularizado, é feito o bloqueio imediato.

“Se ele não comparecer dentro do prazo e não apresentar nenhuma justificativa, que a gente entenda como justa para a que seja feita a prorrogação deste prazo, como, por exemplo, ter se envolvido em um acidente depois da nossa fiscalização, fundido o motor etc., a gente faz uma autuação de acordo com o artigo 195 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), comunica o órgão de trânsito onde este veículo está registrado e faz o bloqueio administrativo do veículo. Enquanto ele não estiver regularizado, o motorista não consegue vender, tirar uma nova documentação, enfim”, esclareceu Pazini.

‘Caixa preta’

O perito criminal de Instituto de Criminalística do Rio Grande do Sul, Rodrigo Kleinubing, especialista em acidentes de trânsito, explicou ao G1 que o cronotacógrafo de um ônibus é tão importante quanto a “caixa preta” de um avião, por exemplo. É a memória do veículo e nele se encontram todas as informações cruciais sobre a viagem.

“É um equipamento muito importante principalmente por se tratar de equipamento de medição. Ele mede a velocidade, a quilometragem e o tempo no volante, então, precisa ser calibrado com frequência para ter valor jurídico, inclusive. Se ele não estiver calibrado, eu não consigo saber se ele está sendo preciso, e aí, em termos de ‘prova’, ele acaba sendo descartado”, ressaltou ao G1.

O perito ainda reforçou a tese de que, se o veículo estiver com a situação “vencida” perante o Inmetro, não pode circular.

“Estando ‘vencido’, isso significa que ele pode não estar funcionando de maneira adequada e estar com alguma imprecisão. Hoje, por força de lei, ele tem de estar calibrado, se não se configura uma irregularidade. Ele não pode rodar se estiver ‘vencido’. Se não cumprir com essa exigência, ele pode facilmente ser parado em uma blitz e ter seu veículo apreendido, por exemplo. É um equipamento muito importante. É como se fosse a caixa preta, se fizermos uma analogia aos aviões, por exemplo. Ele reúne uma série de informações ali que, no caso de um acidente, e também para controle comercial de frota, são fundamentais para possíveis esclarecimentos”, endossou ao G1.

Investigação

A Polícia Civil, por meio do escrivão Cláudio Dourado, responsável por redigir o caso e receber os laudos solicitados, informou ao G1 que esta informação de que o cronotacógrafo de um dos ônibus estava inoperante não altera em nada a investigação policial sobre o acidente.

“A investigação continua, normalmente, independente desta informação. É apenas mais uma informação, que não altera significativamente o crime. Isso indica apenas uma negligência no cuidado com o veículo, por parte da transportadora, pois o cronotacógrafo é um equipamento obrigatório e precisa funcionar corretamente. O máximo que esta informação irá implicar é em uma infração administrativa para a empresa, mas, criminalmente, não”, ressaltou.

A Polícia Civil ainda informou que o outro ônibus, que transportava sacoleiros do Paraguai para Iturama (MG), estava com o cronotacógrafo “ativo” e, por estar funcionando corretamente, foi possível constatar que a velocidade do veículo no momento da colisão era de 100 km/h, índice acima do permitido naquela via para veículos pesados, que é de 80 km/h.

“Isso também não implica em nada na investigação, pois não altera as circunstâncias do fato, já que foi o ônibus que transportava os estudantes quem causou o acidente. Então, mesmo ele estando em uma velocidade acima do permitido, não foi ele o responsável pelo acidente, portanto, não é uma informação levada em consideração pela investigação”, concluiu Dourado ao G1.

Outro lado

O G1 entrou em contato com a empresa Cido Tur, responsável pelo ônibus que transportava os estudantes, solicitando um posicionamento sobre o assunto, mas, até o momento desta publicação, não obteve resposta.

 

G1

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