O corpo do menino Ezra foi encontrado um dia depois de os pais deixarem o Brasil (Foto: TV Globo/Reprodução).

Mãe do menino encontrado morto em freezer vai a júri popular em SP

Crime aconteceu em setembro de 2015. Garoto Ezra foi espancado e teve a perna cortada com faca. Padrasto será julgado apenas pela ocultação do cadáver.

SÃO PAULO/SPA sul-africana Lee Ann Finck, mãe do menino Ezra, morto e colocado em um freezer em setembro de 2015, será julgada por homicídio doloso no Tribunal do Júri de São Paulo. A decisão foi tomada pela juíza Débora Faitarone, da 1ª Vara do Júri. Ela entendeu que não há provas para julgar o padrasto tanzaniano, Mzee Shabani, pela morte do menino, mas tanto ele como a mãe serão julgados por ocultação de cadáver.

O corpo do menino Ezra foi encontrado um dia depois de os pais deixarem o Brasil (Foto: TV Globo/Reprodução).

O corpo do menino Ezra foi encontrado um dia depois de os pais deixarem o Brasil (Foto: TV Globo/Reprodução).

G1 teve acesso à decisão da juíza, com exclusividade, nesta terça-feira (9). A data do julgamento ainda não foi divulgada. Os acusado podem recorrer ao Tribunal de Justiça contra a decisão de pronuncia. O Ministério Público também pode recorrer para que o padrasto seja julgado também pelo homicídio, conforme a denúncia inicial feita pela promotoria.

Câmeras do Aeroporto de Guarulhos registraram o casal deixando o país logo após o crime com as duas filhas em 3 de setembro de 2015, um dia antes do corpo do menino ter sido encontrado. Ele foi enterrado quase um mês depois do crime, em 29 de setembro, sem velório ou qualquer outro tipo de cerimônia.

O casal está preso no Brasil desde 26 de fevereiro de 2016, quando foram trazidos pela Interpol em um voo da KLM. O casal havia sido preso na Tanzânia e levado para Amsterdã, na Holanda, de onde pegaram o voo para o Brasil.

A Interpol montou estratégia para evitar pedido de asilo da mãe e o padrasto do menino Ezra. Lee é sul-africana e poderia pedir asilo em seu país natal, onde é mais comum a rota aérea da Tanzânia para o Brasil.

Violentos espancamentos

Na decisão, a juíza Débora Faitarone disse que o menino era submetido a “violentos quadros de espancamento” sob a alegação de que não cumprir com as instruções domésticas.

Durante o processo, a juíza ouviu nove testemunhas, cujos depoimentos foram suficientes para corroborar a pronúncia da mãe para o julgamento no Tribunal do Júri. O laudo da morte indicou que o menino more em decorrência de uma hemorragia provocada por agente perfuro-contuso.

Segundo a juíza, o padrasto disse em depoimento que a mãe matou o filho porque ele não queria comer. A decisão de Débora Faitarone manteve os agravantes de motivo fútil, crueldade e por impossibilitar a defesa da vítima

Em sua decisão, a juíza concedeu o direito do padrasto em responder ao julgamento em liberdade, mas ele terá de comparecer a todos os atos do processo, não poderá sair de São Paulo sem autorização judicial, entrega eventual do passaporte em até 24 horas. A Polícia Federal foi informada sobre a proibição de Mzee Shabani deixar o país.

O benefício de responder ao julgamento em liberdade não foi oferecido para a mãe, que permanecerá presa até o julgamento.

A sentença de pronuncia ocorre quando durante a fase de instrução processual, após a acusação formal, com a denúncia do Ministério Público, o recebimento da denúncia pela Justiça, seguido pela instrução do processo penal, com as oitivas das testemunhas de acusação e defesa, os interrogatórios dos réus e a análise das provas colhidas na investigação policial, fica demonstrado que existem indícios e provas de autoria e materialidade do crime, comprovações de que os acusados efetivamente cometeram o crime.

“A pena da mãe de Ezra pode ultrapassar 30 anos de prisão, já que será julgada por homicídio triplamente qualificado e tem o aumento de 1/3 da pena, já que a vítima tinha menos de 14 anos. Além da ocultação de cadáver da qual ela é também acusada. Já o padrasto pode pegar de 1 a 3 anos de prisão, pelo crime de ocultação de cadáver. Ele não será julgado por homicídio, mas porque ele ajudou a acusada a ocultar o cadáver, escondendo-o no freezer”, disse Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe/SP.

Segundo Alves, o pai “já deve estar solto, porque já tinha cumprido dois anos de prisão, já que estava preso desde 25 de novembro de 2015. Depois de presos pela Interpol foram extraditados ao Brasil em fevereiro de 2016. Desde então, ficaram presos preventivamente.”

Ele explicou que, se mantida a decisão de pronúncia, “acusação e defesa podem apresentar o rol de testemunhas para o julgamento do Tribunal do Júri, juntar novas provas e requerer diligências. Depois deve ser agendado o julgamento pelo Tribunal do Júri, e 7 jurados decidirão o destino do casal.”

A prisão

A mãe e o padrasto do menino Ezra foram presos pela Interpol na Tanzânia em 25 de novembro. Com a prisão, foi iniciado o processo de extradição dos procurados Lee Ann Finck e Mzee Shabani para o Brasil.

“Eles foram presos pela Interpol na cidade de Bagamoyo, na Tanzânia em 25 de novembro. Para trazê-los ao Brasil não fizemos a rota mais curta, que passaria pela África do Sul. Quatro policiais federais seguiram com o casal para Amsterdã e de lá vieram direto pra cá”, disse o delegado federal Valdecy Urquiza Júnior, chefe da Interpol no Brasil.

Ele explicou ainda que conversou com a polícia local para que fosse pedida a prisão temporária do casal no período em que o casal ficasse em Amsterdã.

Urquiza afirmou que monitorou os passos do casal desde que saíram do país. “Foi feito um trabalho de inteligência entre a PF, Interpol e Polícia Civil. Identificamos a rota provável feita pelo casal e conseguimos descobrir que o destino final foi a Tanzânia, onde eles têm família.”

O delegado disse ao G1 que falou com alguns familiares do casal sobre o crime cometido em São Paulo. “Conseguimos falar com alguns familiares do padrasto lá. No curso do levantamento soubemos que eles confessaram aos familiares, mas essa informação precisa ser checada em depoimento aqui em São Paulo. Segundo os parentes, A mãe teria se excedido. Ela constantemente se irritava com os filhos por razões cotidianas. Ela seria a responsável pela morte.”

Urquiza disse que os outros dois filhos que saíram com eles do Brasil vão permanecer na Tanzânia. “A impressão que nós temos desse caso é que eles agiram acreditando que ficariam impunes na Tanzânia. Agora vão responder por essa atrocidade.”

O crime

Ezra Liam Joshua Finck tinha 7 anos e foi encontrado morto em 4 de setembro no freezer da casa onde morava com a mãe e o padrasto e duas irmãs, no Centro de São Paulo. Câmeras do Aeroporto de Guarulhos registraram o casal deixando o país com as duas filhas em 3 de setembro.

Os foragidos foram encontrados em Bagamoyo, na região costeira do país. A Interpol de São Paulo havia inserido, a pedido da Justiça, o nome do casal na “difusão vermelha”, onde estão foragidos internacionais.

Imagens de câmeras de segurança do prédio onde morava a família mostram que, no dia 28 de agosto, o freezer foi carregado da loja de doces de Mzee, que ficava no térreo do prédio, até o apartamento deles. Seis dias antes, no dia 22, as mesmas câmeras registraram o Ezra entrando no hall do prédio e, em outro momento, cumprimentando um vizinho.

Enterro e missa

O corpo do garoto ficou 25 dias no necrotério do Instituto Médico-Legal (IML). A demora ocorreu porque os parentes próximos da vítima, que poderiam liberar o cadáver e cuidar dos ritos fúnebres, vivem na África do Sul. O Unicef (Fundo das Nações Unidas para Infância), através seu escritório nacional, em Brasília, havia encaminhado um pedido à embaixada daquele país para ajudar na localização de familiares.

O vice-cônsul sul-africano Thabo Sedibana informou, porém, que as buscas não tiveram êxito e liberou o enterro do garoto. A Secretaria da Segurança Pública afirmou, em nota, que, depois do aval do consulado, tomou a iniciativa de enterrar o menino “pois nenhum parente se comprometeu a se responsabilizar pelo corpo”.

Uma missa foi feita em homenagem ao menino Ezra no cemitério da Vila Formosa, no dia 5 de outubro. Na missa, estavam presentes o secretário de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, a Arquidiocese de São Paulo, a Pastoral da Menor e representantes do consulado da África do Sul. A cônsul geral da África do Sul, Mmaikeletsi Dube, disse que “é importante salientar que não é assim que o povo sul africano trata suas crianças”.

Quando foi enterrado, o túmulo de Ezra, nascido na África, tinha apenas uma coroa de flores com a frase “Descanse em paz”, que foi dada pelo IML. A Arquidiocese de São Paulo e o secretário Eduardo Suplicy reclamaram de não ter sido avisados sobre o enterro de Ezra.

Histórico de problemas

O Conselho Tutelar informou que Ezra foi atendido em junho de 2014 após receber denúncia que a criança apresentava sinais de espancamento. A mãe declarou, segundo o conselho, que batia “no intuito de educar, e não machucar”.

No mesmo ano foi concedida uma liminar de acolhimento, suspendendo o convívio familiar de Ezra com o padrasto e a mãe. Em 15 de janeiro deste ano, o juiz Rodrigo Vieira Murat permitiu o retorno do menino ao convívio com o casal e determinou que o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) acompanhasse a família por seis meses.

O desembargador do Tribunal de Justiça, Antônio Carlos Malheiros, disse que o menino foi acompanhado durante seis meses e depois devolvido à família após pedido da criança.

G1

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