Perícia foi ao local do crime motivado por briga de cachorros (Foto: TV Morena/Reprodução).

Pai de jovem morto após briga por cachorro diz que ‘encontrou a paz’ ao receber cartas psicografadas do filho

Empresário conta que passou por dias de desespero e peregrinou em igrejas, sem se conformar com resposta de que menino estava dormindo.

CAMPO GRANDE/MSNós morremos juntos, não temos mais vontade para nada”. Estas são palavras que, há três meses, tentavam resumir a dor dos pais de Luiz Henrique de Souza Barbarotti. O jovem de 20 anos foi morto após briga por cachorros, no Jardim Seminário, em Campo Grande. Evangélicos, peregrinaram em igrejas e a resposta era sempre de que o menino estava dormindo. A busca continuou e José Nilton, de 54 anos, diz que somente ‘encontrou a paz’ ao receber cartas psicografadas pelo filho.

Perícia foi ao local do crime motivado por briga de cachorros (Foto: TV Morena/Reprodução).

Perícia foi ao local do crime motivado por briga de cachorros (Foto: TV Morena/Reprodução).

“Tive dias de desespero muito grande e fomos em quase todas as igrejas da cidade. A resposta era sempre a mesma e aquilo não nos consolava. Eu pensava que não tive a oportunidade de me despedir dele e isto estava me consumindo. Um dia aqui na loja, uma pessoa veio e me sugeriu buscar o espiritismo. Eu continuei sem consolo até que um amigo veio aqui também e me disse para parar de incomodar o meu filho”, contou ao G1 José Nilton.

Nervoso, ele relembra que chegou a pedir para o homem sair do estabelecimento comercial dele. “Ele resistiu, deu a volta no balcão e me colocou em contato com um pai, que também perdeu o filho jovem. O menino era estudante de Medicina e faleceu em um acidente, voltando pra casa. Na época, estes pais também ficaram muito mal e chegaram a tentar o suicídio. Foi uma conversa de pai para pai, eu tive um apoio fantástico”, explicou.

Mesmo assim, a desconfiança continuou. “Foi uma luta muito grande, uma briga interior, é difícil aceitar o novo. No dia 27 de maio, depois de muito conversar, eu e minha esposa fomos até a cidade de Neves Paulista, no interior de São Paulo. Nós tivemos a informação de que faziam lá um trabalho com pais enlutados e fomos conhecer. A primeira surpresa aconteceu quando eu já estava cansado de drigir e paramos em uma pequena pensão para descansar”, garantiu.

Primeira ‘mensagem divina’

Conforme Nilton, o café da manhã foi ao lado de quatro pais que haviam perdido os filhos na boate Kiss (tragédia que matou 242 pessoas e feriu mais 680, no dia 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria – RS). “Eles chegaram de caravana, também buscando consolo. Vi tanta dor, que comecei a consolar ao invés de ser consolado. Nós chegamos no nosso destino por volta das 9h e recebemos a 1ª carta por volta das 2h da madrugada. Ficamos 16 horas lá dentro sem nem perceber, tamanha a paz que encontramos”.

A mensagem, conforme o pai, é rica em detalhes. “Ele conta da briga que aconteceu. O antes, o durante e o depois. Fala também da sua passagem pela terra, das manias que tinha, inclusive de saquear a geladeira antes da janta, dos animais que ele sempre amou, dos amigos e até da chácara que gostávamos muito de ir. Após ler, ficamos calmos, tranquilos, mas, ainda assim, com o pé atrás. Foi neste momento que decidimos estender a viagem e entender melhor o lugar que estávamos, o que existia no entorno, como as pessoas são tratadas”, contou.

O empresário diz que continuou “investigando”, até o momento em que recebeu, juntamente com a esposa, a 2ª carta do filho. “Esta é muito mais rica em detalhes e inclusive a guardamos como uma joia em nossa casa. É uma preciosidade que temos e, quando a saudade aperta muito, eu leio e releio. Meu filho disse inclusive para minha esposa parar de esperá-lo no portão, de cheirar a cama, o travesseiro, algo que ele fez muito. Ele também diz que está muito vivo, muito mais do que nós, pedindo que ajudemos outros pais”, falou.

Retorno

Em Campo Grande, houve discordância da família. “Eles não aceitam muito o que aconteceu, disseram que estávamos todos loucos e como evangélicos estavam acreditando nisto. Meu filho inclusive comentou isto na carta e pediu pra gente não desistir de ajudar outros pais. Agora, eu brinco que sou tricolor, pois sou um grande admirador do Papa Franscico, continuamos evangélicos e também passamos a respeitar muito o Chico Xavier. Tudo o que vivemos foi uma lição sem tamanho, fora do comum”, diz José Nilton.

A sua esposa, Rosenilda de Souza, de 40 anos, emenda. “Sem Deus nós não somos nada e agora temos o nosso filho que está nos ajudando a prosseguir. Nosso compromisso vai continuar ajudando aos pais que nos procurarem. Nós já atendemos 6 pais, doando um consolo, livros e participando juntos deste processo. Nunca vi nenhum trabalho parecido por aqui, você se sente acolhida, abraçada e vê muita dor e caridade”, afirmou.

Sobre o Dia dos Pais, José Nilton diz que será um dia em paz. “Nós participamos de um processo, percebemos que a pessoa que perdeu alguém precisa se movimentar, ir atrás para ter um resposta senão nada acontece. Na época, cheguei a pegar a placa de vende-se para colocar no meu comércio. Hoje, graças a Deus, estou cheio de energia e com vontade de fazer as coisas. Não tenho mais dor, apenas saudade, muita saudade. E toda vez que ajudo alguém, fico ainda mais forte”, comenta.

Entenda o caso

A confusão começou quando a vítima passou próximo à residência de um dos suspeitos, com dois cachorros e três amigos, na região da Orla Morena, e o cão da raça pit bull escapou. Os animais começaram a brigar e, para separar, os amigos empurraram e chutaram o cachorro do desconhecido. O fato ocorreu na noite do dia 22 de março e três pessoas foram identificadas.

O dono do pit pull não gostou e eles começaram a discussão. Os amigos decidiram ir embora, sentido à avenida Tamandaré. Mas, em seguida, o homem começou a perseguí-los, acompanhado com duas pessoas em um carro prata. Segundo a polícia, um deles estaria armado.

Em depoimento, o motorista disse que teve um ‘ímpeto de defender filhos’ e por isso levou a arma e atirou contra a vítima. Na ocasião, os filhos dele chegaram em casa e teriam reclamado de apanharem na rua. “Estamos em fase de conclusão deste inquérito. Os três já se apresentaram e estamos aguardando a chegada de laudos”, afirmou em entrevista recente o delegado Sérgio Luiz Duarte, responsável pelas investigações.

Logo após a oitiva, ainda conforme a polícia, dois advogados que acompanhavam o motorista apresentaram habeas corpus e ele foi liberado. O adolescente de 17 anos e o suspeito Eduardo Fialho Júnior, de 19 anos, também estão em liberdade. Eles também conversaram formalmente com a polícia e comentaram que não sabiam que o pai portava arma.

O motorista, que esteve na 2ª delegacia no dia cinco de abril, deve responder por três crimes: homicídio qualificado por traição ou emboscada, omissão de cautela do animal, que é uma contravenção penal, além da lesão corporal dolosa. As penas, de acordo com o delegado, podem chegar a 30 anos de prisão.

Além da morte do jovem, os envolvidos também teriam tentado sequestrar e torturar um adolescente de 17 anos, que estava com a vítima e já tinha sido ferido a coronhadas. O grupo foi perseguido por quatro quadras. “Tristeza, revolta e muita saudade”, resumiu o menino em poucas palavras, ao falar da confusão e do amigo que foi assassinado.

G1

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