Caíque Junio de Souza Soares, "Caíque do Água Branca", 27 anos. Foto: Regional Press

MP denuncia advogado e médicos por cirurgia em foragido da Justiça sem comunicar a polícia

FERNANDÓPOLIS – A Promotoria de Justiça em Fernandópolis (SP) denunciou um advogado de Araçatuba e três médicos, um deles anestesista por terem recebido dinheiro para realizarem clandestinamente, uma cirurgia de extração de projetil de arma de fogo alojada no corpo de Caíque Junio de Souza Soares, “Caíque do Água Branca”, 27 anos, que foi capturado pela Polícia Militar na noite de quinta-feira (29).

Caíque Junio de Souza Soares, "Caíque do Água Branca", 27 anos. Foto: Regional Press

Caíque Junio de Souza Soares, “Caíque do Água Branca”, 27 anos. Foto: Regional Press

Segundo a denúncia, o procedimento foi realizado na Santa Casa de Fernandópolis, com a falsificação de documentos, para evitar que Caíque fosse identificado e preso. Ele também foi denunciado pelos mesmos crimes.

Consta na denúncia que Caíque foi baleado em uma troca de tiros ocorrida no início da noite de 31 de agosto, na rua Salvador Barretos de Menezes, no bairro Água Branca 2, em Araçatuba. Ele passava de moto pela via junto com um comparsa, estacionaram próximo a uma mercearia e passaram atirar contra pessoas que estavam pelo local. Houve uma troca de tiros e Caíque foi atingido, mas conseguiu fugir.

No mesmo dia ele teria procurado o Hospital Central, que é particular, acompanhado de um advogado, onde um médico que atua nesse hospital fez o exame de Raio-X e encontrou o projétil de arma de fogo alojado próximo à coluna cervical.

O médico teria iniciado um procedimento cirúrgico devido ao sangramento, mas devido à gravidade da lesão e a ausência de médico anestesista no hospital no momento, o procedimento foi suspenso.

Ocultou

Segundo a denúncia, o médico tomou conhecimento de que o paciente era um criminoso de alta periculosidade, integrante de facção criminosa, e procurado pela Justiça. Apesar disso, deixou de comunicar a polícia, o que é um dever funcional nesses casos. Além disso, deixou de fazer o registro do atendimento médico junto ao prontuário do paciente, tudo a pedido do advogado, de acordo com a denúncia.

O médico ainda teria aceitado receber pelo procedimento cirúrgico, que se propôs a realizar de forma clandestina na Santa Casa de Fernandópolis, onde também prestava serviço. Ele teria falsificado a ficha de atendimento médico-hospitalar no Hospital Central, registrando o paciente com o nome fictício de Elvis da Silva Souza. E antes de liberá-lo, prescreveu o medicamento no nome do advogado e não de Caíque.

Cirurgia

No dia seguinte, o médico teria feito contato com outro médico e com o anestesista, combinando a cirurgia. Pouco tempo depois Caíque deu entrada na Santa Casa de Fernandópolis, acompanhado do advogado. Eles foram recepcionados pessoalmente pelo médico que havia feito o atendimento no Hospital Central.

Ele os levou diretamente para o pronto-socorro do hospital, onde realizaram o procedimento cirúrgico para extração do projétil que ainda se encontrava alojado, como havia sido combinado. Segundo a denúncia, o médico de Araçatuba teria recebido R$ 3.300,00; o médico auxiliar teria recebido R$ 1.500,00; e o anestesista, que seria membro do IML (Instituto Médico Legal), órgão vinculado à Superintendência da Polícia Técnica Cientifica do Estado de São Paulo, teria recebido R$ 500,00.

“Note-se que os denunciados tinham pleno e prévio conhecimento de que se se tratava de uma intervenção cirúrgica para a extração de um projétil de arma de fogo do corpo do denunciado Caíque”, cita a denúncia, acrescentando que eles receberam pelo procedimento e que o pagamento teria sido feito na recepção da Santa Casa de Fernandópolis.

Além de não terem comunicado a polícia, eles teriam desaparecido com o projétil extraído e falsificado documentos com informações inverídicas sobre o procedimento realizado na Santa Casa de Fernandópolis.

Documentos

Consta na denúncia que a ficha de atendimento registrada em nome e sob a responsabilidade do médico que fez o primeiro atendimento em Araçatuba informa que Caíque deu entrada no hospital de Fernandópolis às 11h22 de 1 de setembro de 2019. O objetivo seria consulta particular e “medicação externa” , quando, na realidade, houve efetiva intervenção cirúrgica para a extração de projétil de arma.

O advogado teria assinado o termo de responsabilidade sobre as normas da Santa Casa em favor de Caíque e o médico providenciado a internação particular, efetivada às 12h25. No Boletim de Internação consta apenas a informação de cirurgia geral, omitindo-se a intervenção cirúrgica para a extração de projétil. “Essa informação foi omitida intencionalmente pelos denunciados para se evitar a comunicação do fato à polícia”.

A denúncia cita ainda que no histórico médico de internação consta tratar-se de “paciente com lesão em região por corpo  e a descrição cirúrgica foi elaborada e subscrita pelo médico, constando como diagnóstico apenas “lesão por corpo estranho”.

Pós-operatório

No histórico de enfermagem constou como diagnóstico médico de admissão a “retirada de corpo estranho” e Caíque recebeu alta médica do médico de Araçatuba às 16h25 do mesmo dia, de acordo com os termos do Boletim de Alta Hospitalar. No boletim de alta médica também constou como diagnóstico principal “corpo estranho” , e como quadro clínico “corpo estranho região torácico posterior”.

“Não bastasse as falsificações elencadas acima, os denunciados também falsificaram e alteram a lista de verificação de segurança cirúrgica e a ficha de anestesia. O laudo pericial concluiu que o documento fora rasurado mediante a sobreposição de escrita, apontando-se ter havido rasura para substituir a expressão ‘projétil’ por ‘corpo estranho'”.

Na ficha de anestesia foram alterados os dizeres escritos no campo “Cirurgia/Procedimento” e o documento não contou com a assinatura obrigatória do anestesista de Fernandópolis, mesmo tendo o dever de subscrevê-lo por ter participado da intervenção cirúrgica.

Funcionários públicos

Por fim, o procedimento foi realizado na Santa Casa de Fernandópolis, entidade civil sem fins lucrativos, e por médicos contratados pelo hospital, considerados funcionários públicos por equiparação para efeitos penais.

Caíque e o advogado foram denunciados três vezes por corrupção ativa; oito vezes por informar declarações falsas em documento público; e duas vezes por falsificação de documentos. Os médicos foram denunciados por corrupção passiva; oito vezes por informar declarações falsas em documento público; e duas vezes por falsificação de documentos.

Por fim, todos eles foram denunciados por auxiliar Caíque, na condição de foragido da Justiça por crime de roubo, a não ser capturado. A denúncia é assinada pelo promotor de Justiça Daniel Azadinho Palmezan Calderaro, com data de 17 de dezembro de 2021. A reportagem não conseguiu apurar se ela foi aceita pela Justiça, que está em recesso.

Hoje+ Araçatuba

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