Carro em que os jovens estavam ficou com diversas marcas de tiros, em Mogi. — Foto: Reprodução/TV Diário.

Advogados afirmam que laudo da reconstituição de assalto a posto indica que suspeitos foram executados por policiais, em Mogi

Crime aconteceu em 9 de março de 2017 em Mogi das Cruzes e terminou com três dos quatro suspeitos do crime mortos por policiais do Deic de São Paulo. Secretaria de Estado de Segurança Pública diz analisar o laudo.

MOGI DAS CRUZES/SP – Os advogados de defesa da família de um dos jovens mortos suspeitos de participar de um assalto a posto de combustíveis em 2017, em Mogi das Cruzes, afirmam que o laudo da reconstituição do crime aponta que eles foram executados por policiais do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic). No boletim de ocorrência do caso, consta que houve troca de tiros.

Carro em que os jovens estavam ficou com diversas marcas de tiros, em Mogi. — Foto: Reprodução/TV Diário.

Carro em que os jovens estavam ficou com diversas marcas de tiros, em Mogi. — Foto: Reprodução/TV Diário.

A Secretaria Estadual de Segurança informou que “analisa os laudos e realiza outras diligências para esclarecer os fatos. A Corregedoria da Polícia Civil acompanha as apurações” 

De acordo com o boletim de ocorrência, o assalto que terminou com as mortes dos três jovens foi na noite de 9 março de 2017. Na versão dos policiais do Deic, eles estavam em um posto de combustíveis, se preparando para uma operação, quando os suspeitos, que moravam em um condomínio de luxo de Mogi, foram roubar o estabelecimento. Um quarto jovem foi baleado, mas sobreviveu e foi preso.

Na versão da perícia particular, Vitor Tito levou tiro à queima roupa. — Foto: Reprodução/TV Diário.

Na versão da perícia particular, Vitor Tito levou tiro à queima roupa. — Foto: Reprodução/TV Diário.

Já a defesa da família do Matheus Wilson da Costa Reis, uma das vítimas fatais, contesta a versão da polícia e afirma que ele foi executado ao lado de Victor Andrade Gomes Tito, de 19 anos, e Rogério Santos de Oliveira Filho, de 17. Victor Saldanha também estava no veículo dos suspeitos. Ele foi baleado, mas sobreviveu e foi preso.

Na versão de Victor Saldanha, após a perseguição, quando o carro para, Matheus coloca os braços e a cabeça para fora do veículo, e é atingido pelo disparo de um dos policiais. Em seguida, um policial vai até a porta traseira do lado do passageiro, abre e dispara contra os quatro jovens. Depois contorna o carro, e ameaça disparar contra o próprio Victor, o único ainda vivo, mas um policial segura o braço dele e impede.

G1 teve acesso ao laudo da reconstituição do crime, realizada pelo Instituto de Criminalística, em 26 de junho de 2019. A defesa da família de Matheus elaborou 42 perguntas para serem respondidas pela perícia. Abaixo os principais resultados pontos do laudo:

O perito Hans Anwender declarou que não é possível um tiro deixar “tatuagem” na pele da vítima quando há algum anteparo (vidro, porta, entre outros);

As viaturas utilizadas pelos policiais no dia do crime não apresentam marcas de tiros;

Nos locais físicos onde supostamente os jovens dispararam não há marcas de impacto de projétil de arma de fogo;

Os policiais informaram que revidaram aos dois tiros efetuados pelos jovens, mas não souberam precisar quantos disparos eles (policiais) efetuaram;

Perito afirmou que há relação entre a versão do sobrevivente, Vitor Saldanha, sobre tiros à curta distância efetuados por policiais contra Victor Andrade Gomes;

A dinâmica dos fatos relatada pelo sobrevivente (Vitor Saldanha) é compatível com o exame cadavérico dos três mortos;

A versão do sobrevivente há relação com o laudo apresentado pelo perito criminal Sergio Henandez, contratado pela família de Matheus Wilson da Costa Reis.

O perito criminal Sergio Henandez, contratado pela família de Matheus, realizou um primeiro laudo do caso em que apresenta inconsistências com o laudo da polícia. Ele explica que a reconstituição foi realizada para esclarecer dúvidas a respeito da dinâmica do caso. 

“Nós temos a divergência de que os policiais afirmam que o fato foi uma troca de tiros, uma morte decorrente de intervenção policial e nós, como acusação, levantamos as provas de que foi homicídio, execução, que eles foram assassinados e mortos com o carro parado e as portas abertas”, ressalta.

Com o resultado da perícia, Henandez afirma que a tese de execução encontra respostas positivas no laudo. Primeiramente sobre a “tatuagem” provocada pela pólvora na pele, que a perícia garante ocorrer apenas em casos em que não há obstáculos entre a vítima e o projétil.

“Então, aí vem a divergência com uma pergunta: como que o Vitor Tito apresentava tatuagem, se os policias falam que na dinâmica dos fatos esses tiros foram dados com o carro em movimento? Claramente esse fato cai por terra. Os policias abriram as portas e executaram os jovens”, pontua.

Além disso, o perito lembra que o resultado da perícia realizada por ele apenas com a análise do carro e da dinâmica dos fatos é convergente com o que relatou Vitor Saldanha, sobrevivente, mesmo sem ele ter tido acesso ao depoimento, à época.

“O laudo tem que apresentar conclusão, mas neste aqui eles só responderam aos questionamentos da defesa. Mas, em geral, o laudo confirma que o Vitor Saldanha fala a verdade. E que se contrapõe ao que os policiais falam”, afirma.

Fraude processual

O advogado contratado pela família de Matheus, Thiago Henrique Rosseto Vidal, afirma que os policias cometeram também o crime de fraude processual. Isso porque, segundo Vidal, as cápsulas colhidas tanto na via pública quanto nos corpos das vítimas foram encaminhadas para o exame de confronto balístico no Instituto de Criminalística e todos deram negativo para a arma que os policiais entregaram na época do crime.

“A perícia confirmou que aqueles projéteis não saíram daquelas armas, caracterizando a fraude processual, porque as armas não foram entregues quando requisitadas. A gente tinha solicitado para saber se existiam outras armas no nome deles e isso foi constatado que existiam. Essas armas foram apreendidas só agora e vão ser encaminhadas para confronto balístico, para individualizar a conduta dos policiais. Com isso, essa parte de inquérito entra na fase final”, detalha.

No começo do mês de dezembro, com essa nas provas reunidas pela defesa para confirmar a fraude processual, a defesa entrou com um pedido de prisão preventiva dos cinco policiais envolvidos na ação.

O advogado Luiz Fernando Piccirilli, também de defesa da família de Matheus, explica que o requerimento apresentado ao delegado do Setor de Homicídios fundamenta que a prisão é para garantir a aplicação da lei penal e da ordem pública.

“Se eles alteram a cena do crime, já configura essa fraude processual. A prova dos altos são robustas, o laudo confirma a versão da vítima sobrevivente, mesmo assim eles continuam em atividade. Se o delegado entender pela prisão, ele manda para o Ministério Público que pode solicitar para a justiça”, detalha.

Justiça

Dois anos e nove meses após o crime, a mãe de Matheus, Jane Cordeiro da Costa Reis, lembra com detalhes do dia da morte do filho. Ainda sem saber o que havia acontecido no local quando chegou, ela disse para o delegado do caso que iria esclarecer a dinâmica dos fatos para que houvesse justiça.

“O laudo (da reconstituição), em partes, me traz um pouco de alívio. Mas eu preciso da justiça. Ele deixou família. Nós moramos dentro de um condomínio para a segurança dos próprios filhos. Para mim, mãe do Matheus, é difícil entender que ele estava fazendo mal a um pai de família, que estava trabalhando. Essa nunca foi a índole dele”, pontua.

Investigação

O caso é investigado por meio de inquérito policial, na Delegacia de Homicídios de Mogi das Cruzes, e também pela Corregedoria da Polícia Civil. O primeiro para esclarecer o crime na esfera penal e o segundo na administrativa.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), não respondeu a todos os questionamentos feitos pelo G1 sobre o resultado da perícia, o andamento da investigação, se os policiais foram afastados do cargo.

O órgão se limitou a dizer que o caso segue sendo investigado pelo Setor de Homicídios de Mogi das Cruzes, “que analisa os laudos e realiza outras diligências para esclarecer os fatos. A Corregedoria da Polícia Civil acompanha as apurações”.

G1

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